A Irritação me invade, mas mesmo assim penduro o quadro na parede.
Todas as vezes que passo pela sala e olho a gravura, vejo uma mancha, lá em baixo, perto do vestido.
Descuido do artista ou de quem o teve primeiro?
Foi tão caro esse quadro, tanto um quanto o outro.
Com o passar dos dias não reparo mais no desenho, os olhos não me surpreendem mais, se é que tem alguma idéia política, não me cativa mais também; a unica coisa que enxergo é a mancha!
Gastei todo aquele dinheiro por uma mancha emoldurada?
Sento-me no sofá em frente, ajeito-me até que o reflexo do vidro fique bem em cima do defeito - assim posso admirar o resto.
Mas não quero que a mancha pense que não sei que ela existe.;
Inclino a cabeça, encaro-a: Sei muito bem que você está ai, sua Imunda!
Sempre que alguém me visita, elogia o quadro (é incrível como de todos os sete pecados capitais, todos negam, mas é do quadro da inveja que eles mais gostam), assim que fazem um elogio eu logo aviso: - Essa mancha horrível o estraga.
A pessoa em geral se levanta, chega bem pertinho, faz com quem procura e diz algo como: - Ah! não dá nem pra perceber.
As pessoas têm mania de ser delicadas, pudor em reconhecer o óbviu.
Tão pequena! Eu nem tinha reparado.
NÃO TINHA O QUE?
Como se fosse possível não reparar! Não não fui eu que sujei, não, já veio assim. Quadro Porco!
Entro em casa, dou de cara com a mancha. Troco o quadro de lugar, coloco lá no quarto do Lucas, a mancha vai junto. Guardo-o no guarda-roupa.
Mas agora, na parede branca, o parafuso me atormenta: - A mancha esteve aqui! A mancha esteve aqui....