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sábado, 25 de julho de 2009

Ensaio Sobre a Preguiça



SONHOS

- Talvez quem venha a ler essa carta, possa se surpreender com o conteúdo, talvez ria ou simplesmente sinta pena.
Não me importa mais.
Alguns segredos deveriam ser guardados, e na maioria das vezes estes o são e vão para o caixão com seus respectivos donos.
- Mas quero ser um morto que inquiete ou pelo menos que atormente durante alguns dias, algumas mentes.
Não quero aparecer ou deixar alguém com remorso; simplesmente quero que compreendam e tentem não julgar o que está prestes a acontecer.
E vai!
- Somente peço desculpas aos meus filhos por tudo que lhes causei ou por alguma decepção que possam sentir de mim.
Não sou covarde! Simplesmente cansei!
O cansaço me corroí, perdi a vontade de viver, de amar, de ter que ser sempre o que os outros esperam de mim ou lutar por algo
Queria apenas dormir; durante anos talvez; mas preferi optar pela eternidade.
- Algumas pessoas não entendem e na verdade não quero que entendam, quero talvez no máximo que aceitem.
Hoje completo trinta e três anos de idade, minha família fará uma festa mais tarde, alguns amigos, alguns conhecidos; mas preferi vir para esse quarto humilde de um motel barato para talvez ter o que sempre sonhei em ter e nunca tive.
Paz!
- Pensei em várias formas de fazer isso; remédios; pular de um lugar bem alto; atravessar na frente de um ônibus e em várias outras formas, mas todas essas opções poderiam dar errado, e eu continuaria vivo ainda na minha morte, porque na minha vida já morri faz tempo.
- Tive uma vida com muitas oportunidades, algumas peguei, outras deixei passar e sinceramente não me arrependo.
- Me apaixonei por minha esposa, mas acabamos empurrando o relacionamento já desgastado por comodismo; desfazer tudo, ir atrás de alguém, conhecer, flertar, seduzir, a primeira noite, casar, filhos; isso é tudo muito cansativo, por isso optamos por fingir que estava tudo bem e criarmos nossos filhos. Como disse Comodismo.
Tenho lindos filhos de olhos azuis. Azuis estes que me faz lembrar tranqüilidade, minha infância.
Talvez o pior sentimento que possa existir, é a frustração; é saber que seu fracasso dependeu única e exclusivamente de você mesmo.
Talvez o meu pior fracasso, a minha maior frustração tenha sido o fato de não ter sabido ser pai; marido...
Não me dediquei tempo suficiente a eles e a pessoa que mais teve tempo comigo, foi eu mesmo.
Não por egoísmo, mas talvez por cansaço de ter que lhe dar com o mundo, pessoas, sentimentos; tudo tão mesquinho, tão fútil que me fez esquecer de viver, de ter tesão em amar, em sorrir, de ter amizades, escutar problemas, amar a mim mesmo.
- Sempre quis que tudo acontecesse, que as coisas se resolvessem sozinhas, que as pessoas fossem felizes sem precisar da minha ajuda, de um conselho ou talvez de um simples abraço.
- Quis que tudo caminha-se sem mim, que minha vida fosse resolvida sem meu consentimento ou desejo, mas de tudo isso o que mais me corrói é saber que tudo o que houve é culpa minha, somente minha, já que foi eu quem não quis fazer nada para melhorar a mim mesmo nem a vida do outro.
Covardia?
- Acho que, prefiro pensar nisso como acomodação, falta de ânimo, de ambição.
Essa noite tive um sonho estranho, na verdade foi este sonho que me fez tomar esta atitude.

“Sonhei que estava sentado em uma pedra e vi uma coruja, olhei novamente e constatei que era uma girafa; depois a coruja e a girafa fugiram.
Já não sei mais quem é quem ou quem sou eu, ou quem deveria ter sido, haviam lobos em minha volta e pessoas pedindo socorro.
Os cães tinham cabeças de coiotes e o corpo de dragões, na verdade não sei se eram cães, e as árvores tinham um riso assustador, comecei a andar numa estrada roxa com luzes azuis, logo adiante havia um rio de água preta, onde as fadas derramavam suas lágrimas o sujando de vermelho, mas não sei se a água era vermelha e as lágrimas pretas, sei somente que elas choravam toda sua dor e que magicamente as cores se tornavam uma só.
Os gnomos corriam como loucos, e os duendes pulavam de moita em moita; arbustos talvez.
Sei que suas cabeças sacudiam enquanto pulavam.
Comecei a correr na estrada que estava envolta do rio, parei na margem e olhando agora para a água mais limpa e azul que já vi, percebi que embaixo d’água tinha escondido um labirinto, vários destroços do que um dia foi minha mente.
Não consegui sair da margem, meus pés ficaram presos na lama que cobre o mundo; pulei no rio, não era mais um rio, era um abismo, não sentia o fim mas quando quase toquei o fundo, criei asas mas logo se decomporam-se quando cheguei perto de mim mesmo. Quem sou eu? Quem esconde essa infinita luz? Manto este que me cobre sem deixar outra saída a não ser tentar descobrir quem sou eu!
Talvez faça parte da lama do mundo, ou talvez nem fiz era pra ter feito.
Ouvia sons, vi pinceladas de tintas que cobriam uma tela podre. A tela era redonda, e azul, e flutuava numa escuridão imensa coberta por luzes que piscavam! Estrelas?
Acho que sim, vi uma estrela que tinha o meu nome, mas ela quase não piscava mais, vi pessoas vindo e indo para o mesmo caminho roxo de luzes azuis que percorri, alguns pulavam no rio, que não se transformava em abismo, continuava rio, e os via desesperados tentando sair do labirinto que se escondia nas águas, do labirinto de si mesmos.
Os outros percorriam ainda o caminho em meio a fumaça negra que confunde a cabeça dos homens com a dos animais. Me senti eternamente irreal. Olhei de novo e minha estrela não piscava mais. Se apagou!”

- Acordei!
Assustado, me senti estranho, fiquei olhando para o teto do meu quarto, olhei para minha esposa que respirava com a felicidade de uma criança que vem ao mundo sem saber o que a espera.
Não senti vontade de respirar. Senti nojo daquele ar, olhei pela janela, ainda deitado e vi estrelas. Não me encontrei!
Levantei, me vesti, já estava amanhecendo, tinha uma reunião importante no escritório, fui ao banheiro, liguei o chuveiro, fiquei olhando a água cair. Lembrei da lama do meu sonho, aquela que cobre o mundo.
Não senti vontade de me lavar, nem tive o trabalho de tirar o meu pijama, voltei para o quarto, peguei meu terno e fui me vestir na sala, a respiração da criança que não sabia o que a esperava me incomodava.
Sai de casa mais cedo, as ruas ainda desertas, talvez umas 5:00 da manhã, alguns barulhos de ônibus; mas o silêncio era quase gritante.
Seguindo naquela estrada vazia, percebi um tom roxeado no asfalto, talvez era reflexo do amanhecer ou pelas luzes que a noite acabava de deixar. Luzes azuis piscavam.
Cheguei no trabalho, entrei e fiquei na minha mesa, abaixei o porta retratos da minha família, as pessoas começaram a chegar, sorrindo, balançando as cabeças umas pras outras se escondendo atrás de suas mesas, os olhares me assustavam, pela primeira vez senti um leve toque de crueldade nesses olhares, mas o que me deixou feliz foi saber que esse olhar de crueldade estava dentro deles.
Fechei a porta da minha sala.
Li alguns papeis, trabalhei, bebi café, devo ter comido uma maçã não sei.
Telefonei, fui telefonado, fiz anotações e sem perceber sorri para algumas pessoas, fui ao banheiro rapidamente, fiquei frente a frente ao espelho e sorri pra mim, percebi a mesma crueldade nos meus olhos. Não fiz nada no dia, são meros detalhes de um dia qualquer, de uma rotina qualquer. Fiquei apavorado ao saber que minha vida toda teve esses meros detalhes de um dia qualquer, dia após dia, durante trinta e três anos.
Saí dali e vim pra onde estou agora, mas antes passei na casa de um amigo e peguei a arma dele emprestada.
Tem um dragão desenhado no cabo, mas é estranho sua cabeça se confunde com a de um cão.
Minha cabeça dói, fico confuso.
Mais uma vez peço desculpas por tudo que não fiz.
Mas agora escrevendo essa carta (que é ironicamente mais um detalhe), penso que tudo o que não fiz, valeu a pena. Não teria tido serventia melhor que atitude nenhuma.
- Tudo o que não disse teria sido menos importante que o silêncio.
Vou tomar a minha última dose de wisky, quero me sentir relaxado antes de fazer a coisa mais útil que possa ter feito em toda minha vida.
Agradeço a quem ler essa carta e peço somente que entenda.

“Sou eternamente irreal, crio meu mundo; não crio as pessoas.”

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